segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cedo


A lua estava ainda alta e crescente no céu, brilhando de forma intensa. Por entre as gretas da cortina entrava uma luz azulada que riscava linhas na parede oposta à cama. Esse era exatamente o mesmo cenário que eu presenciara pela última vez, antes de adormecer, há não muito tempo.

Agora havia ali fora uma manhã silenciosa. Na verdade, uma ainda não-manhã. Ainda não havia movimento, nem barulho naquele cenário de despertar apenas próximo. A sensação de quando descia as escadas ainda era de uma noite, mas com algo que a diferenciava. Não era uma atmosfera de horas após o crepúsculo, quando essa ainda convidava para uma extensa estrada cheia de escuridão. Era algo passageiro. Um enegrecer que se dissiparia dentro de alguns minutos – quem sabe pouco mais de uma hora – dando lugar à luz tênue e suave de um novo dia. Era um momento sem lugar no tempo.

Era um não momento, que se construía e destruía enquanto o som solitário dos meus passos cruzava o asfalto, livre. Esses instantes não fariam parte da minha vida, estavam ali apenas como um registro. Cabiam aos sonhos, que deram licença a um tipo estranho de torpor, não muito diferente. Estava acordado naquele não-lugar, são e combatido por ventos frios quase cortantes. O balançar da copa das árvores, o silêncio quase absoluto. A sensação de que à medida que os segundos pulavam sobre si eu testemunhava um nascimento: o momento em que nada era –  tudo seria.

Conflitos e anseios pareciam simplesmente insignificantes diante de toda aquela beleza. Sombras e luz, sons e sono. Isso tudo se misturava enquanto nada acontecia. Em breve a luz quase dourada do nascer do dia iria se estender como um lençol sobre os prédios, campos, vidas e mentes ainda inconscientes. Mas eu estava ali, na iminência da existência.

Tudo eram idéias e seu gosto era doce.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Insight

Aquela velha música... há quanto tempo não a escuto! Sentado aqui, deixando as horas passarem, que grata memória. Ela me faz lembrar como há nas coisas tanto sentido. Como cada minuto é carregado de inúmeras possibilidades. Que arrepio me sobe a espinha! É tão fácil ignorar esse fato gritante, é tão fácil ser tragado para dentro de rotinas. De fato, a todo tempo a vida oferece tantas distrações para as mentes que é mesmo difícil notar quando a consciência se perde e dá lugar à mecanicidade.

Assim se passam semanas, meses, anos e mesmo décadas. Assim aqueles velhos ideais juvenis se tornam a conformidade senil diante de adversidades inventadas. E procura-se no relógio um pequeno descanso, antes daquela nova preocupação iminente, logo depois de uma já antiga ou muitas imediatas. Antes que se perceba o sol já adormeceu há muito, esquecido por entre as montanhas ao redor, deixando de banhar as ruas infestadas por pessoas vazias. Pernas caminhando a passos apressados em direção a apenas mais um dia. Apenas mais esforços despendidos no intuito de alcançar objetivos fúteis, exteriores ao ser. Mais uma folha seca que se queima, restando ainda outras, cansadas, esperando pelo mesmo destino.

É impressionante e sutil a marionetização que sofre o homem ao longo de sua existência. Suprimida é sua criatividade, sua vitalidade; enquanto ensina-se a obedecer. Os melhores cordeiros são louvados, colocados em local de destaque – são os exemplos de realização que permeiam as mentes em branco. Mentes que ignoram coisas simples, não percebem a beleza daquilo que vive ao seu entorno, tampouco as injustiças que presenciam. Tudo é transformado em cenário. Os olhos se voltam para promessas de felicidade vendidas: um novo carro, um novo modelo de celular touchscreen; talvez uma festa caríssima, regada à mediocridade. “Quem sabe assim não serei finalmente feliz?” O preço é muito alto.

Lentamente os dias passam, sem que se perceba. Hoje logo será uma página no passado da qual sequer memórias serão guardadas. Vejo olhares entretidos e entusiasmados com vaidades inúteis, tais como um gato com um novelo de lã. Caminha-se num deserto árido e seco, em busca de oásis que não passam de miragens. Os pensamentos silenciam-se diante do grande e hipnótico poder do entretenimento barato, segundo após segundo. Atordoa-se, adormece-se. “O sol é o mesmo de uma maneira relativa, mas você está mais velho, com o fôlego mais curto e um dia mais próximo da morte”.

Sufocante.