A lua estava ainda
alta e crescente no céu, brilhando de forma intensa. Por entre as gretas da
cortina entrava uma luz azulada que riscava linhas na parede oposta à cama.
Esse era exatamente o mesmo cenário que eu presenciara pela última vez, antes
de adormecer, há não muito tempo.
Agora havia ali fora
uma manhã silenciosa. Na verdade, uma ainda não-manhã. Ainda não havia
movimento, nem barulho naquele cenário de despertar apenas próximo. A sensação
de quando descia as escadas ainda era de uma noite, mas com algo que a
diferenciava. Não era uma atmosfera de horas após o crepúsculo, quando essa ainda convidava para uma extensa estrada cheia de escuridão. Era algo passageiro.
Um enegrecer que se dissiparia dentro de alguns minutos – quem sabe pouco mais
de uma hora – dando lugar à luz tênue e suave de um novo dia. Era um momento
sem lugar no tempo.
Era um não momento,
que se construía e destruía enquanto o som solitário dos meus passos cruzava o asfalto,
livre. Esses instantes não fariam parte da minha vida, estavam ali apenas como
um registro. Cabiam aos sonhos, que deram licença a um tipo estranho de torpor,
não muito diferente. Estava acordado naquele não-lugar, são e combatido por
ventos frios quase cortantes. O balançar da copa das árvores, o silêncio quase
absoluto. A sensação de que à medida que os segundos pulavam sobre si eu
testemunhava um nascimento: o momento em que nada era – tudo seria.
Conflitos e anseios
pareciam simplesmente insignificantes diante de toda aquela beleza. Sombras e
luz, sons e sono. Isso tudo se misturava enquanto nada acontecia. Em breve a
luz quase dourada do nascer do dia iria se estender como um lençol sobre os
prédios, campos, vidas e mentes ainda inconscientes. Mas eu estava ali, na
iminência da existência.
Tudo eram idéias e seu
gosto era doce.